sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A noite em que me despedi

A cidade dorme nessa noite. Pergunto-me se eles sabem o que está acontecendo. Claro que não, mas deveriam. Talvez nem metade o conheça, mas sua importância é ímpar nessa sociedade. Meu peito explode de ansiedade esperando pela notícia que nunca chega, que eu não quero que chegue, mas que chegará. Ele vai partir. Todos iremos, é nossa única certeza inevitável. Pergunto-me se já não foi e a mensagem que tarda, e que eu gostaria que tardasse ao infinito, só não tenha sido passada por um capricho humano – ou descuido. Mas isso não importa mais.

Pergunto-me se ele imaginou que aquela viagem à praia seria sua última, que o mar, acostumado a visitar sua vastidão em quase nove décadas, jamais molharia suas canelas com água salobra de novo. Acredito que isso tenha lhe ocorrido no caminho de volta, em um suspiro conformado. Para tudo há uma última vez, o triste é saber quando o é. Partilhar os pêsames em doses de angústia ajuda a aliviar o luto, mas nada cura a perda.

Relembrar os reclames os tornam irrelevantes. Mais que isso, viram motivo de saudade. Olhar aqueles vidros em conserva e imaginar que nunca mais serão feitos. A última safra. Uma relíquia disputada a tapas e com ofertas monetárias exorbitantes por apreciadores, todos querendo ter pra si o último gosto do último pingo de vinagre, e que antes apenas tinham que depositar pequenas quantias invisíveis no banco da amizade.

O abalo será grande. Tenho certeza que até a mais hipócrita das almas se recuperará do tombo do caráter para lhe prestar um último amém. Já estou de joelhos, só preciso que me empurrem ao precipício. A vida é isso. Há de se aceitar. Na noite que a cidade dorme, eu não dormirei. Nos autos da história, nunca se esquecerá quem é – porque não deixa de ser – quem foi e quem sempre será, guardado no coração daqueles que te amam e sempre amarão.


* Ao meu avô, Nicanor Antônio Risch, que nos deixou hoje, aos 89 anos.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

O que te inspira?

O que te inspira?, uma vez perguntaram. Qualquer resposta lógica eu estaria mentindo. Das dezenas de livros pré-prontos na minha cabeça, com quase cada um de seus pontos colocados no devido lugar, nenhum deles surgira com fórmula mágica, com um modelo de comportamento necessário para que a inspiração emergisse. Ela surge, mas nem sempre. 

Como diria Picasso: se ela vier, que venha quando eu estiver trabalhando. Uma dose de diária de disciplina às vezes é melhor que qualquer rompante súbito. Mas isso ainda não responde o que me inspira, responde como eu respondo ao trabalho. 

Talvez o exemplo mais excêntrico das minhas inspirações tenha sido a vez que, em um segundo, um livro inteiro, pré-intitulado “Tirania”, que, explicando de forma porca, conta a historia de um jovem estudante que se torna um tirano usando apenas conhecimentos filosóficos, surgira em minha cabeça enquanto eu ouvia a música “Applause” da Lady Gaga. 

O leitor pode crer que a música não teria nenhuma relação com a inspiração em questão, mas eu explico. O trecho “I live for the applause”, ou “eu vivo pelo aplauso”, misturou-se com um conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, fresco em minha mente, cujo cerne é o ser humano viver para ser consumido – mais ou menos o que faço propositalmente aqui, neste texto. 

Não fosse o feedback ou a simples leitura de alguém, de nada ele serviria. Vivemos para o consumo. Dois tópicos distintos, que se uniram por uma frase, transformando-se em uma ideia. Inexplicável, mas acontece. Se repetirmos a pergunta: o que te inspira? Eu diria nada – ou tudo, depende do ponto de vista. Não existe fórmula e nunca irá existir. Idéias surgem com conhecimento, seja ele fútil ou útil. Mentes paradas não geram vida.