sábado, 22 de agosto de 2020

Necropolítica eleitoreira


Está bem claro à esta altura o que ocorre no Brasil. Cabe recapitularmos um pouco para que consigamos ver o cenário como um todo. Comecemos pelo fato de uma pandemia se espalhar pelo mundo e atingir o nosso país no miolo.

A sequência dos fatos se dá com uma total apatia e omissão do Governo Federal para lidar com a situação e dar suporte sanitário e monetário à população. Aos poucos, de março pra cá, o governo estica a corda em prol de ignorar o vírus e manter a vida normal, como se nada tivesse acontecido. De pouco em pouco, o debate se divide.

Na inércia de tudo, com o atraso por uma solução, a oposição propõe um auxílio emergencial. O governo oferece 200 reais de auxílio e, numa briga política, os oposicionistas conseguem elevar para os 600 reais que todos já estão acostumados. Convém se repetir: não é uma proposta do Executivo.

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O auxílio é seguido de cadastros, filas imensas, muita burocracia e espera, isso para pessoas que estão passando fome. Em contrapartida, ricos, milionários, membros do Exército e até funcionários em cargos comissionados conseguem receber seus seicentinha para torrar como bem entenderem.

Empresas quebram, pessoas perdem o emprego, e nada é feito para lidar com a situação. Em paralelo, a doença avança, porque não há um protocolo central padronizado que enfrente a pandemia unindo Governo Federal, Estados e Municípios. Cada Estado cria sua maneira de combater, com autorização do STF, pela apatia do presidente da República, que demite dois Ministros da Saúde que tentam fazer seu trabalho corretamente. A partir daí, os municípios se digladiam com os Estados, criando um abre e fecha constante, que faz com que a economia não consiga decolar para se estabilizar novamente e recuperar empresas e empregos.

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No meio do caos, quem passa fome, quem perde emprego, quem perde a empresa, só tem um pensamento e este pensamento não é preservar vidas, porque, na prática, as suas vidas, por falta de auxílio governamental, já não estão sendo preservadas. Este sentimento só muda se a pessoa ou alguém muito próxima se infecta com a Covid-19. Ninguém é mau, cabe dizer, só se envenenaram de um sentimento oriundo das necessidades que apareceram profissionalmente, afetando diretamente a vida de suas famílias. É desespero puro.

Para exemplificar, por mais que a aprovação do Bolsonaro seja a pior de um presidente eleito neste período, sua avaliação positiva cresceu, isso por dois motivos: um, o citado acima, de que boa parte da população, pela necessidade, abraçou o discurso contra o isolamento social; segundo, pela população acreditar que o auxílio proposto pela oposição seja uma proposta do Executivo.

Com a apatia do Governo Federal, coube à oposição, leia-se a esquerda, fazer o papel do governo e agir para alertar a população aos cuidados com o vírus e criar um mecanismo de suporte. Assim, hoje, num momento pré-eleição, já ficou muito claro qual a tônica para captação de votos, caso o político não se alinhe com a esquerda e precise de capital político para se eleger só a um caminho: abraçar a extrema-direita e ir na contramão da lógica científica e na contramão da preservação das vidas para com a Covid-19, no maior ato de necropolítica eleitoreira.


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sábado, 20 de junho de 2020

Não estou convencido sobre a gravidade dos fatos


Ainda estou refletindo se isso é grave ou não. Tende a ser, mas não parece muito. Ajudem-me, leitores. Prenderam Fabrício Queiroz. Aquele mesmo Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro, ex-assessor, ex-motorista, ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro na Alerj. Na quinta-feira, em um irônico sítio em Atibaia, encontraram o Queiroz, o Wally brasileiro.

Desculpe se minhas palavras não forem incisivas, ainda busco entender se este fato é grave ou não. A propriedade onde o encontraram é do advogado Frederick Wassef. Para quem não o conhece, Wassef é o advogado de Flávio Bolsonaro no caso que envolve o próprio Queiroz, acusado de montar um esquema de rachadinhas com funcionários laranjas e fantasmas no gabinete do senador, quando então deputado estadual. 

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Em entrevista à jornalista Andréia Sadi, há um mês, quando Wassef fora questionado sobre onde estava Queiroz, o advogado disse não saber. Em uma live com jornalistas do UOL, quando o jornalista Tales Faria lhe disse “Se Queiroz não tem importância nenhuma, ele poderia aparecer”, Wassef respondeu “Eu também acho, eu também acho”. Segundo a polícia, o caseiro da residência admitiu que Queiroz residia no local há mais de um ano. Veja bem, estou apenas relatando uma esteira de fatos. Ajudem-me a saber se isso é grave.

Além do esquema de rachadinha, Queiroz tem uma ligação com a milícia do Rio das Pedras, onde o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega comandava o chamado Escritório do Crime. Para quem não lembra, Adriano recebeu condecorações de Flávio Bolsonaro na Alerj, entre elas a Medalha Tiradentes, maior honraria do Rio, quando o miliciano estava preso. Jair Bolsonaro também defendeu Adriano, logo após ele ser preso por assassinato. 

Adriano Magalhães da Nóbrega teve sua mãe e sua ex-mulher alocadas no esquema de rachadinha comandado por Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro. Além disso, o dinheiro das rachadinhas no gabinete de Flávio era usado para financiar prédios irregulares da milícia do Rio das Pedras, comandada por Adriano. Em fevereiro, Adriano foi morto em sua residência, em uma ação policial na Bahia, uma operação que falava em troca de tiros, mas que, na prática, foi resolvida com um singelo tiro na cabeça. Chame isso do que quiser. Na ocasião, Flávio Bolsonaro chegou a publicar um vídeo nas suas redes sociais da suposta autópsia de Adriano para comprovar que sua morte ocorrera de um embate com a polícia. Para constar, a título de curiosidade, o advogado atual de Queiroz, Paulo Emílio Catta Preta, era o mesmo de Adriano Magalhães da Nóbrega.  

Uma coisa curiosa sobre a milícia do Rio das Pedras é aquele caso em que a polícia achou uma centena de fuzis no condomínio Vivendas da Barra, na casa de Ronnie Lessa, um ex-PM que fazia parte do Escritório do Crime, o mesmo de Adriano. Ronnie é um dos assassinos de Marielle Franco. A casa ficava na mesma rua da do presidente Jair Bolsonaro e a filha de Ronnie, segundo consta, tinha ligação com Renan Bolsonaro, um dos filhos do presidente. Um detalhe importante sobre a morte de Marielle é que ela, na ocasião, trabalhava com um grupo de Rio das Pedras que tentava impedir a construção de novos prédios irregulares pela milícia na região.

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Voltando ao Queiroz, sua filha, Nathália Queiroz, era funcionária em cargo comissionado do gabinete em Brasília de Jair Bolsonaro, quando deputado federal. Enquanto isso ocorreu, ela dava aulas em uma academia no Rio de Janeiro, sem nunca ter pisado no gabinete. Queiroz também é conhecido por ter depositado um cheque polpudo na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. 

Uma curiosidade, agora falando sobre o advogado, é que Fred Wassef também é advogado pessoal de Jair Bolsonaro no inquérito do atentado sofrido pelo presidente na eleição de 2018. Além disso, é um habitué do Planalto. Nesta última quarta-feira, por exemplo, Wassef esteve na posse do novo Ministro de Comunicações, Fábio Faria. No domingo, segundo a agenda oficial da Presidência, Bolsonaro se reuniu com Wassef entre às 14h15 e 14h30. Em entrevista para a Rádio Gaúcha, no dia 28 de abril, ele disse o seguinte: “Eu estou no dia a dia aqui com o presidente e com a família Bolsonaro. Eu conheço tudo que tramita na família Bolsonaro”.

Nada disso ainda me convence de que esta prisão de Queiroz seja grave. Cheguei a este fim sem uma conclusão. Não sei, não estou convencido. Sei que eu não sou ninguém para exigir isso, mas talvez Fabrício Queiroz pudesse falar o que sabe, vir a público ou em um depoimento para a polícia. Quem sabe assim eu me tranquilize e possa dormir com a certeza de que não há nada grave envolvendo o presidente e sua família.








quarta-feira, 30 de maio de 2018

O Brasil precisa de uma intervenção educacional

A história é implacável para explicar qualquer fenômeno contemporâneo. Tudo que acontece, já aconteceu. Os exemplos podem não ser exatos, mas são precisos. E quem não souber ler a história, para não repeti-la, será usado como massa de manobra por interesses obscurantistas – e oportunistas -, pedindo para que o cadafalso da forca se abra para cingir o próprio pescoço na corda.

A paralisação dos caminhoneiros – com um fedorento cheiro de locaute – é complexa e disforme, é uma classe inteira, entre autônomos e contratados de empresas, representados por mais de 20 entidades, nenhuma delas sindicais (que deveria mediar a negociação) e sem unanimidade entre os manifestantes. É uma classe que deveria estar organizada, mas está mais para um motim popular, desta vez beirando a inconsequência, como o povo às soltas nas ruas em 2013, pedindo cada um uma coisa.

Não é da manifestação que pretendo falar, mas ela é estopim para destrambelho mental de néscios. Com uma política liberal estúpida de precificação de combustíveis, uma política entreguista de venda de petróleo bruto e compra de refinados do exterior, estando a Petrobras operando abaixo da capacidade para servir ao interesses estrangeiros, mais a alta tributação no PIS/Cofins e uma crise de petróleo internacional, a situação se explica em causas e efeitos. E fica claro como se deve resolver o problema.

Mas neste ponto, na instabilidade, na beira do caos, o oportunismo toma vida e uma minoria desinstruída saiu do conforto de seus lares para pedir uma intervenção militar. Como disse, a história explica o hoje com o ontem. Em 1972, um locaute de caminhoneiros parou o Chile por 26 dias. O caos proposital levou ao golpe militar de Pinochet, culminando com o assassinato (considerado “suicídio” pelo regime) do presidente democraticamente eleito Salvador Allende.

A ditadura chilena durou 27 anos, com milhares mortos e torturados. Para sorte do Chile, eles têm museus do regime para nunca mais repeti-lo, assim como o Museu do Holocausto ou o Museu do Apartheid. Pinochet, tardiamente, foi preso. O Brasil não soube se curar da ferida ditatorial. Ainda temos ruas com nomes de tiranos, acobertamos, sem investigação, suas barbáries, dando números oficiais pífios ao regime, e anistiamos os criminosos de Estado, tratando-os como espectros a serem ignorados, que morreram velhos e em paz – como quase todo canalha, que é incapaz de sofrer até na morte.

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Um brasileiro que sai às ruas pedindo intervenção militar ou é alienado ou desonesto. Ou é uma pessoa que precisa estudar a história, que precisa compreender com clareza o mundo em que vive; ou, se estudou, compreende tudo isso e ainda quer a ruptura do Estado Democrático de Direito, essa pessoa tem um alto grau de desonestidade com o passado, com a sociedade e consigo mesmo. Eu prefiro apostar na falta de instrução: quem pede um Estado autoritário, não sabe o que está pedindo.

Por exemplo, nesta semana, um caminhoneiro à favor da intervenção militar reclamou da ação do exército contra os manifestantes: “É desnecessário porque não somos bandidos nem estamos fechando a via. Se a gente se recusar a sair o Exército vai fazer o quê? Bater na gente?”. Basicamente, é assim que funciona uma ditadura: repressão e proibição de manifestações. E olha que ainda vivemos na democracia. Uma democracia que permite alguns de se manifestarem pedindo o fim do direito de se manifestar. Paradoxal. Sintomático da incultura.

Democracia, diga-se, atropelada quando demandas dos caminhoneiros são atendidas e há a recusa pelo fim da mobilização. Quando alguém se senta pra negociar e aceita o interlocutor da negociação, não importando quem seja, mesmo se for o ultracorrupto Michel Temer, precisa cumprir sua parte quando receber o que pede. É assim que funciona. O que vem depois é outra coisa, obscura, vazia e pouco clara.

Em um protesto de 2015, um ônibus decorado pró-intervenção militar foi guinchado pela Polícia Militar, na Avenida Paulista. O veículo estava estacionado em local proibido e o dono estava indignado com a ação da PM. Ele recebeu sua intervenção militar e não percebeu. Seguiu culpando a democracia, dizendo em tom lamurioso e irônico “Essa é a nossa liberdade!”, tudo por não poder descumprir a lei. E esse é o grande problema de quem lambe as botas do autoritarismo: quer dividir a população entre “eles” contra “nós”. Sem saber ao certo quem são “eles” e “nós”. É praticamente um apelo à impunidade a si e uma punição exagerada aos outros.

Pra completar as sandices, nesta semana, um grupo pró-ditadura teve a capacidade de pedir intervenção militar ao som de “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, um hino contra a ditadura, censurada pelo regime que entrava às portas do AI-5. É como clamar pelo fascismo cantando Bella Ciao, uma ignorância e uma falta de conhecimento básico de história.

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Outro argumento usado é que os militares tomariam o poder para reestabelecer a ordem e chamar novas eleições, apenas para eleger “honestos”. A história ensina de novo. Em 1964, fora a dualidade política mundial da Guerra Fria, que influenciou diretamente no golpe contra o “comunista” Jango, essa era justificativa para o regime. “Já, já, entregamos pra vocês”, disseram. E o golpe dentro do golpe, em 1968, enfiou-nos goela abaixo 21 anos de regime de exceção. Coitado do Lacerda, o oportunista de antanho. Morreu com a biografia conspurcada como um bananão-massa-de-manobra. Cada um colhe o que planta e escreve as linhas da própria biografia.

Veja os exemplos de Venezuela e Coréia do Norte. Não são regimes militares, mas são autoritários. Os mesmos que criticam o autoritarismo destes países – que, por mais que tenham eleição, são sempre suspeitas (Venezuela) ou fingidas (Coréia do Norte) –, querem o autoritarismo no Brasil. Essas nações têm problemas sérios de violação de Direitos Humanos não por serem alinhadas à esquerda, mas por serem autoritárias.

O brasileiro que pede intervenção militar precisa de uma intervenção educacional. Quem pensa que o autoritarismo resolve problemas do dia pra noite, está enganado; está pedindo o cerceamento da própria liberdade e dignidade, compactuando com abusos e práticas condenáveis. Aquele que vende a ideia mágica de resolução de problemas é um mentiroso oportunista. Mais que isso, romper a democracia é um crime. O Brasil tem muitos desafios complexos e difíceis, que não serão resolvidos na base de senso comum e tanque na rua. E ao que tudo indica, educação aos incautos é o primeiro deles.




sexta-feira, 10 de junho de 2016

Por que bandido bom não é bandido morto

Refém de um judiciário ineficaz, de um sistema carcerário inchado e depredado, de uma polícia omissa ou inexistente e de um cotidiano onde a injustiça é regra, não exceção, a população, com sua paciência posta à prova com tantos descalabros, age pra firmar sua própria segurança. Mas a que custo?

Recentemente, em Porto Alegre, no caso conhecido como “Estupro do T1”, uma mulher de 19 anos alegara ter sido violentada por um homem, que a obrigou a descer do ônibus e ir para uma praça, onde, num descuido do bandido, conseguira escapar. Perceba que meu relato é contraditório, não deixando claro se houve ou não o estupro, mas foi assim que as muitas versões ditas por ela – junto de um vídeo do veículo – acabaram por desmascarar sua mentira.

Não se sabe por que ela mentiu, por que prestou um depoimento falso à polícia. Alega-se que ela estaria passando por abalos psicológicos, mas isso não vem ao caso – apesar de que, para um reacionário de plantão, apenas esse caso generalizaria todos os estupros do mundo como mentiras contadas pelas vítimas.

O que ocorreu em seguida que é o verdadeiro problema. Após a divulgação de um retrato falado do suposto estuprador – que nada mais era um auto-retrato de um artista italiano – um homem, que sequer se parece com o desenho do “criminoso”, fora agredido e esfaqueado por moradores.

A ânsia pela justiça não pode levar ao justiçamento, muito menos a uma injustiça. Quem quer fazer o trabalho do judiciário e da polícia e agir por conta própria não quer justiça, quer impunidade, quer justificar-se frente a um julgamento por homicídio dizendo que “matou um bandido” – tornado em vítima – e que isso bastaria para inocentá-lo, ou melhor, para, mais que isso, receber afagos e louvores por seus atos. 

Não. Quem comete um homicídio, por um ato de vingança – travestida de justiça - ou não (isentando a legítima defesa), deve ser julgado como o criminoso morto e pagar por seus atos. Perguntaram-me, o que você faria, se fosse com você, em um caso comprovado? Não sei. Mas se decidisse por sujar minhas mãos em nome de uma falsa honra ou de vingança, eu deveria pagar depois por meus crimes. E que fique bem claro: crimes.

A pena de morte, que muito vêem como uma solução para a criminalidade, em casos parecidos com o do “Estupro do T1”, mal julgados, mal apurados, poderia condenar um inocente. E mesmo que a taxa de pessoas sem culpa condenadas à morte fosse de 0,001% (nos EUA, mais de 4% dos executados pela pena de morte são inocentes), ainda assim alguém morreria pelas mãos do Estado sem ter cometido crime algum, o que é inadmissível. Pergunto eu: e se for com você essa injustiça?

Bandido bom é bandido preso por uma polícia capacitada, julgado por um judiciário eficaz e encarcerado em uma cadeia decente. Aqueles que querem sujar suas mãos como justiceiros, que se juntem aos criminosos.








quarta-feira, 1 de junho de 2016

Eu realmente gostaria que Michel Temer fosse bom

Na nossa queda de braços ideológicas, na nossa incessante busca por ter razão, eu realmente gostaria de estar errado. Eu queria poder aplaudir quem outrora tripudiei, mas o tempo pontua os fatos com clareza e a única frase que encontro dentro de minha lamúria é um grande “eu avisei”.

Não entrarei no mérito sobre a legalidade das ações que levaram Michel Temer à presidência do Brasil, mas suas ações assim que assumiu o cargo interinamente. Quem pensou em uma espécie de renovação nacional, oxigenando a alta cúpula do poder com sangue novo e medidas progressistas, se viu num vortex do passado.

Posicionei-me sempre contra o impeachment, por razões já exploradas em outros textos, neste mesmo espaço, das quais não abordarei, mas assim que de fato se consumou o afastamento temporário de Dilma Rousseff, minha chave girou, me colocando num brete de contradições.

Ao mesmo tempo em que me sentia enojado pelo circo criado em volta do processo de impedimento, eu esperava que os distúrbios cessassem, que Temer, no fundo daquela carapaça de mordomo, pudesse tirar coelhos da cartola e mostrasse-nos um Brasil que até agora ninguém via.

E, de uma forma torpe e desajeitada, mostrou. Trouxe-nos um Brasil esquecido, invisível pelo varrer da história. Um Brasil arcaico, branco, machista e, principalmente, fundamentalista. Um misto de figurões postos à margem do tempo na política brasileira com uma tropa evangélica moralista, pronta pra tecer aos outros aquilo que convém a si.

Com uma equipe formada só por homens brancos, os reacionários, no seu instinto de reação, já alegavam frente às críticas, em jocosas comparações, que os Ministérios não eram os Power Rangers para terem diversidade de cor e sexo; Ministérios eram, diziam, coisa séria, onde os mais competentes deveriam assumir suas respectivas pastas – desde que fossem brancos e homens.

Em duas semanas, dois ministros já foram afastados, devido a áudios vazados, mostrando a intenção dos comparsas de Michel Temer de tentar frear a operação Lava-Jato. Em duas semanas, o Ministério da Cultura foi extinto e recriado, sob o chicote popular. Em duas semanas, o que antes apenas parecia golpe, nos golpeou a face com mais força do que podemos aguentar.

Temer não tem nada de progressista, é um dinossauro forjado no passado e que vive no passado. Um possível retorno de Dilma não garante muita coisa, como Temer não garantiu, mas, pelo menos, dentro de toda sua gama de defeitos, a petista não se vê voltada ao passado, mas sempre em frente, não às pontes do futuro, forjadas com água do mar pelo Governo do peemedebista.

O fato é que eu realmente gostaria que Michel Temer fosse bom e propusesse mudanças não apenas na economia, mas sociais. Porém, infelizmente, apenas comprovou o que todos já sabiam. Agora, de cócoras, enquanto apanho, só me resta dizer: eu avisei.







sexta-feira, 15 de abril de 2016

Como um jogo de futebol explica minha posição política

Primeiro, gostaria de pedir para aqueles que divergem da minha opinião que a respeitem e tragam o contraponto na leveza de um debate sadio, em que o diálogo coerente possa transitar sem percalços violentos. Afinal, isso é só minha opinião, nada mais.

O ano era 2009 e o Grêmio me irritava muito. Era insuportável. Até aquele último jogo, em dezembro, o Tricolor vencera apenas uma partida fora de casa, contra o Náutico, e amargava pilhas de derrotas na casa dos adversários. Irritante não pelas derrotas em si, mas porque em casa o time tinha um desempenho muito superior a qualquer equipe. Estava invicto desde 2008 no Olímpico, e assim o permaneceu até 2010. Poderíamos ter ido mais longe e isso enfadava muito.

Mas o 8º lugar era nosso destino naquele ano e esse mesmo destino nos brindou com uma situação inusitada e constrangedora para a última rodada do campeonato. O jogo era contra o Flamengo, líder, no Maracanã. O segundo colocado era o Inter, e este dependia de uma vitória do arquirrival, nós, o Grêmio, para ser campeão.

O Flamengo tinha 64 pontos; o Inter, 62. Com uma vitória do Grêmio sobre os cariocas e uma vitória colorada frente ao já rebaixado Santo André, no Beira-Rio, a taça ficaria com os gaúchos vermelhos. Não havia dúvidas pra mim, torceria contra meu próprio time, pois amar um clube também significa odiar o rival e eu não iria aceitar entregar uma taça ao Inter apenas pra poder dizer que meu time venceu um jogo.

Mais que isso, uma vitória do Grêmio àquele ponto não faria diferença. E considerando que havíamos vencido apenas uma partida fora de casa o ano inteiro, eu aceitaria facilmente aquela derrota. Ganhar aquele jogo seria um tapa na cara do torcedor gremista.

Porém, nem todos compactuavam com minha posição. Alguns me diziam: “Vamos ganhar e o Inter vai perder, aí o Flamengo é campeão e nós não precisamos torcer contra o Grêmio”. Eu dizia que a pessoa era louca, estava delirando num mundo de imaginações. Era uma ideia utópica que nunca se concretizaria. O Inter não perderia, como não perdeu, enfiando 4 a 1 no Santo André. Não podíamos brincar com a sorte, tínhamos que ter coerência.

E o Grêmio ouviu a grande maioria de sua torcida e mandou a campo um time reserva, alagado de juniores. Se fosse o titular talvez perderíamos com mais facilidade. Quando Roberson abriu o placar para o Grêmio, aquele golpe era duro demais pra mim. Mas o Flamengo virou e foi campeão – e eu respirei aliviado. Na volta pra casa, pasmem, a torcida tentou agredir os jogadores gremistas por jogarem tão bem.

Mas o que isso tem a ver com a política brasileira? Tudo. Meu posicionamento, e é o que mantenho há um ano, desde que toda instabilidade no Brasil se agravou, é contra o impeachment de Dilma. Não que eu esteja satisfeito com Governo, não que eu concorde com escândalos de corrupção – que afeta mais o legislativo que o executivo - ou até mesmo que minimize a questão das pedalas fiscais. Meu posicionamento é esse porque o processo parece mais forjado que, digamos, ao natural.

Se todo esse turbilhão que engole o Brasil desde o fim das eleições de 2014 não existisse, talvez hoje eu ergueria minha voz contra a presidente e, também talvez, pedisse seu impedimento – e, novamente talvez, estivesse errado e contradizendo o que eu penso agora. Mas são suposições. Minha posição hoje é contra o impeachment, mesmo acreditando que uma mudança no poder fizesse bem ao país – mas não nos moldes como está sendo conduzido.

Alguns me dizem, como aqueles torcedores nos dias que antecederam o jogo contra o Flamengo diziam, que a Dilma cairá e, logo após, Temer, Cunha e Calheiros também cairão. É a mesma utopia de torcedor. Não irá acontecer, assim como eu sabia que uma vitória colorada frente ao Santo André era inevitável.

Então, quando em 2009 eu torci contra meu próprio time para que algo pior que uma derrota ocorresse, hoje eu me mantenho contra o impeachment de Dilma, por acreditar, quase com certeza absoluta, que o que virá será pior – não apenas nos nomes que irão domar o país adiante, mas por aspectos ideológicos nefastos. Tiraremos uma presidente sem traquejo político e, até então, limpa em questões de corrupção, para colocar réus dos mais diversos crimes com uma capacidade administrativa melhor - sob a alegação de "combate à corrupção". Isso, pra mim, não faz muito sentido.

Infelizmente, para todos nós, brasileiros, aqui metaforicamente representados pela torcida gremista, o futuro não parece trazer notícias boas, não importa o que aconteça. Ou é uma derrota ou é o título do rival. Até lá, mantenho-me do lado que acredito ser o menos pior.











sexta-feira, 4 de março de 2016

Pintei-me de petista no pobre diálogo político do Brasil

Na politização dicotômica que vive o Brasil, todos têm que optar por um lado. Não que isso esteja certo, e não está, mas o que a realidade nos mostra é que há apenas duas opções de escolha, dois extremos que brigam com argumentos dos mais fulos para tentar derrubar o outro. É o comunista versus o golpista. Não existe meio termo.

Sinto-me parte disso. Nessa briga, fiquei do lado vermelho dos comunistas, mesmo que essa escolha acabe por contradizer o que eu realmente acredite. Eu explico. Um exemplo fácil é o da defesa da presidenta Dilma Rousseff. Defendi, como ainda defendo, com uma cega convicção, a legalidade do governo de Dilma, por mais que eu não concorde com minha própria defesa, por mais que minha satisfação com o Governo Federal beire ao zero.

Mas tive de defendê-la, mesmo que não quisesse. Isso porque a oposição apresentada não era satisfatória, mais que isso, era estúpida, vaga e extremada (assim como a defesa a qualquer custo de Dilma também é, o que não prego). Com dois meses de governo reeleito, os oposicionistas derrotados já marchavam pelo impeachment – um ato, no mínimo, precipitado, com tons de revanchismo frente uma eleição derrotada por números tão próximos.

Qualquer posição minha que se mostrasse fora de uma defesa à atual presidenta, me colocaria do outro lado, do lado do impeachment – um mecanismo constitucional, mas que, pedido e forjado naqueles moldes, tinha cheiro de golpismo. Defendo a legalidade do governo de Dilma, até ser julgada culpada por razões concretas – assim como a qualquer político/civil.

Meu meio termo, no qual eu propunha um diálogo sobre o que realmente acontecia no Brasil, nunca existiu. Virei petista aos olhos dos outros, virei comunista. Não sou nenhum dos dois, mas menti várias vezes que era, pois se não o fizesse, já sabem, estaria do lado de lá.

E falando do lado de lá, creio que pessoas que se identifiquem mais com a direita, que são contra o péssimo governo da petista, talvez tenham tido o mesmo posicionamento que eu: provavelmente achassem o impeachment naqueles termos algo grotesco, mas tinham de endossá-lo, ou senão estariam do lado de cá, dos comunistas defensores do indefensável.

O diálogo da política brasileira funciona assim: fora os fanáticos, todos mentem sua ideologia, ninguém propõe a conversa aberta, franca e, principalmente, banhada de bom senso. Temos que mentir que somos extremos àqueles que nos opõem, ou nos tornaremos eles. Vivemos de indignações seletivas, onde apenas a corrupção que nos convém faz-nos bradar palavras de ordem. Ou melhor, todas nos indignam, mas gritamos apenas por aquelas que não afetam nosso lado da estúpida dicotomia política.

O brasileiro precisa acordar para si e começar a falar a verdade, propondo diálogos mais inteligentes, menos extremados e, principalmente, menos violentos. Sem paciência ao debate, vendo o cotidiano engolir o cidadão, propostas imediatistas tomam corpo e líderes vazios, que dizem muito, sem solidez argumentativa, acabam ganhando força em uma sociedade afobada e irritada.

Nunca se precisou conversar tanto e tão francamente no Brasil, com propostas de diálogos abertos e moderados, sem o grilhão do extremismo idiossincrático para atrapalhar. Nunca o Brasil esteve tão perto, nos últimos 30 anos, de um precipício perigoso, onde o próximo passo parece ser a última chance de salvar a pátria, mas que pode ser o primeiro para levá-la a um passado que nunca deveria ter sido esquecido, mas sempre lembrado – para que nunca o repitamos.








sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Hitler não era tão mau assim

Aloys Schicklgruber nasceu em Waldviertel, Áustria, em um longínquo julho de 1837. Ele era um camponês, como a maioria de sua linhagem. Mesmo sem estudo, conseguiu trabalhar em um cargo baixo do Ministério das Finanças austríaco, época que começou a estudar. Anos mais tarde, ao ser aprovado em um concurso público, Aloys acabou por trabalhar em diferentes cargos na alfândega de seu país.

Um fato curioso sobre Aloys é que ele mudou de nome. Filho ilegítimo de Maria Anna, nunca conhecera o pai. Quando já estabelecido como agente alfandegário, pediu permissão para utilizar o nome do então falecido padrasto, Johann Georg Hiedler. Seu pedido foi aceito.

Aloys tornou-se Alois, por uma vontade particular. Só não se entende porque Schicklgruber, que deveria tornar-se Hiedler, talvez por um erro de escrita ou por uma questão fonética, registrou-se como Hitler.

Se você leu até aqui, provavelmente interesse-se por história e ficará decepcionado, e certamente não faz parte do público o qual eu vou me referir: a Geração T. Os membros, se assim podemos classificá-los, desta geração são T por serem “testemunhas”, ou seja, captam o mínimo de informação necessária para repassá-la aos outros.

A Geração T não lê conteúdo de textos, eles apenas os avaliam e os julgam pelo teor do título, criam diálogos e situações fictícias a partir de chamadas, acreditando já saberem de tudo que a publicação traz. Os três primeiros parágrafos deste texto são meramente ilustrativos, trazendo a monótona história de Alois Hitler, o pai de Adolf. Isso para testar quem leu e quem apenas reproduziu este texto sem sequer clicá-lo - ou quem começou a leitura, se desinteressou e replicou-o sem chegar ao fim.

As duas características principais dessas pessoas são: onisciência e crítica. A Geração T sabe de tudo, sobre tudo e tem opinião para tudo. Por serem tão sabedores do Universo, a crítica ocorre constantemente, geralmente negativa. E o pior, o julgamento de seus critérios sempre ocorre pela cabeça dos outros, nunca por si só. Suas opiniões não são formadas por idéias próprias, são meros replicadores de conceitos engessados.

Pessoas da Geração T, geralmente jovens, são pessoas de difícil convívio profissional. Normalmente é aquele que critica tudo e todos, como sempre estivesse correto, tendo o chefe como o grande vilão de uma história tirânica onde ele é a vítima. Membros deste grupo compartilham incessantemente textos nas redes sociais, geralmente seguidos de um comentário, para ele abalizado, negativamente crítico. Pergunte-o se leu. Não leu.

Seria presunção minha acreditar que este texto serviria de experimento para uma amostragem desta geração. Analisar quem o compartilhou pelo título, criticando o autor, o conteúdo, a vida, o verde do gramado do vizinho, sem ao menos tê-lo lido em cinqüenta por cento.

O imediatismo da internet - e o poder que ela dá a cada vírgula de cada pessoa - transformou o mundo num hospício de críticos, onde ninguém faz ideia do que está falando e apenas o fala pelo prazer do feedback que isso traz. Ao perceber que uma polêmica gratuita, um julgamento premeditado e um linchamento sem propósito geram likes e compartilhamentos, o geração-tezista não hesita em expor da forma mais pobre sua indignação.

Desta maneira, parece que sugiro algum tipo de censura, de castração da liberdade de expressão. Sim e não. Todos são livres para dizer o que bem querem – assumindo os riscos que isso traz -, mas ninguém deve se expressar sobre o que não sabe. O grande problema é saber quando não o sabe. Eu mesmo posso estar sendo pobre de conteúdo nestas linhas sem saber.

Mas confesso que consigo imaginar um share deste texto com a sentença, questionando: “Como que um cara me fala uma besteira dessas?!”. O que só ocorrerá se eu tiver muita sorte – e novamente seria muita presunção afirmar que acontecerá com certeza.

Se alguém procurava aqui por uma opinião neonazi que desmistificasse a figura do mais famoso Hitler, para corroborar com algum sentimento torto adormecido, sinto muito. Os livros de história existem para concretar uma verdade inalterável dos fatos. Alois não era tão mau assim, mas Adolf certamente foi o pior.